STJ afasta a caracterização do crime de estelionato quando da emissão de cheque sem fundos


SEXTA TURMA CHEQUE PRÉ-DATADO. ESTELIONATO

O paciente entregou cheques a seu irmão e ele utilizou-os na aquisição de mercadorias junto à vítima, um comerciante. Sucede que os cheques foram sustados pelo paciente e, após, foram resgatados por seu irmão em troca de outros, emitidos por sua filha, sobrinha do paciente, cheques igualmente sustados, o que frustrou o pagamento em prejuízo, mais uma vez, da vítima. Ordem de habeas corpus foi impetrada no Tribunal de Justiça em favor da sobrinha, ao final concedida por tratar-se de cheques pré-datados entregues à vítima para saldar débito preexistente, o que afasta o estelionato. Nesta sede, a Turma, igualmente, entendeu conceder a ordem ao paciente e, por extensão, a seu irmão, visto que os cheques em questão foram emitidos em garantia de dívida (preexistente o débito), anotando que o paciente sequer era devedor, quanto mais que a própria vítima, em depoimento dado em juízo, afirmou tratar-se de cheques pré-datados (Súm. n. 246 -STF). Precedente citado: RHC 20.600-GO , DJ 25/2/2008. HC 96.132-SP , Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 7/8/2008.

NOTAS DA REDAÇÃO

A emissão de cheques pré-datados sem provisão suficiente de fundos já se tornou uma realidade no Brasil.

Em muitos casos, o indivíduo acaba sendo processado criminalmente em virtude desse seu comportamento. Nesse momento, uma pergunta se impõe: a conduta de emitir cheque sem fundos sempre caracterizará o crime de estelionato?

Vejamos.

De início, o disposto na súmula 246 do STF: "comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos ".

Em consonância com o artigo 171 , § 2º , VI do CP incorre nas mesmas penas do delito de estelionato aquele que "emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento ".

Nunca é de mais lembrar que o Direito Penal traz consigo a possibilidade de restringir-se um dos bens jurídicos mais importantes para o homem: a sua liberdade. Assim sendo, a intervenção penal deve ser compreendida como exceção aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal , de forma que as suas regras devem ser interpretadas restritivamente.

Certo é que o cheque, de acordo com a definição legal, se evidencia como uma ordem de pagamento à vista, realidade essa que não se verifica na hipótese cheque pré-datado. Segundo entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência pátria, o cheque emitido nessas condições perde essa característica essencial, tornando-se uma promessa de pagamento.

Nessa linha de raciocínio, partindo da premissa de que a interpretação da norma penal incriminadora deve ser restritiva, e que o cheque pré-datado não possui a característica de ordem de pagamento à vista, mas sim, de promessa de pagamento, tem-se que o cheque pré-datado não é considerado verdadeiramente um cheque, o que torna impossível enquadrar a conduta no tipo legal do estelionato.

Concluindo: a emissão de cheque pré-datado sem saldo suficiente para pagá-lo (na data estabelecida) não caracteriza crime, vez que não mais se trata de representativa de pagamento à vista.

Essa é a posição da nossa Suprema Corte e do Tribunal da Cidadania (STJ). Salienta-se que o tomador (pretensa vítima) que aceita o cheque pré-datado concorre para que fique desfigurada a ordem de pagamento à vista para promessa de pagamento, e a conduta perde, automaticamente, a tipicidade do crime previsto no artigo 171 , § 2º , VI do CP .

Nenhum comentário:

Postar um comentário